A DITADURA DA BELEZA

A DITADURA DA BELEZA NA CONSTRUÇÃO DA AUTO-ESTIMA
beleza


Durante todo o meu exercício profissional como psicóloga tenho me preocupado em despertar nas pessoas a consciência dos recursos de que elas dispõem para criar uma estrutura fortalecida capaz de enfrentar os desafios, problemas e as dores dos tempos atuais. Já que muitos dos acontecimentos em nosso meio e em nossas vidas, fogem ao nosso controle, não temos a garantia de navegarmos em águas calmas, não sabemos o que a vida nos reserva no próximo instante. Portanto, o que nos resta é saber desenvolver a força necessária para encontrar saídas criativas a cada problema que se coloque a nossa frente. Além dos desafios externos, que a modernidade vem avassaladoramente nos remetendo temos ainda os conflitos inerentes a cada etapa do desenvolvimento. A adolescência é com certeza um dos momentos mais conflitivos ,mais sofridos e determinante da estrutura com que o indivíduo irá enfrentar a vida adulta. O maior desafio dessa fase é o de ir reformulando a bagagem recebida na infância, através das influências parentais e sociais, comparando-os com os modelos atuais de identificação que se faz através dos seus iguais (grupos de adolescentes) e dos ídolos por eles eleitos como modelos de valor e de comportamento.Daí o aparecimento de determimadas reações de rebeldia, distanciamento familiar ou isolamento. Mudanças de comportamento que criam sofrimento não apenas para o próprio adolescente mas também para a família que passa a não reconhecê-lo mais. Um luto parece acompanhar essa fase...aquela criança conhecida já não está mais tão presente. Ora ou outra reaparece para logo em seguida desaparecer. O jovem está em processo de maturação, está gestando o modelo adulto que irá seguir, os valores e padrões de comportameto que irá adotar e que irão se transformar na sua identidade adulta.A influência do grupo e do meio é determinante de grande parte dos conflitos e sofrimentos gerados na definição dos critérios da sua auto-estima. Saber reconhecer as verdadeiras ferramentas que podem estruturar essa personalidade é de fundamental importância.





A AUTO-ESTIMA é talvez a mais impotante ferramenta a ser desenvolvida nessa fase pois é nela que iremos encontar a força necessária para nos colocarmos diante da vida, dos problemas e das suas soluções. Ela irá determinar nossas escolhas e realizações. O valor que a pessoa atribui a si mesma é determinante para a forma com que enfrenta a vida e os seus problemas. No entanto, vejo que muitas interpretações equivocadas se fazem a esse respeito. Portanto, o que vem a ser auto-estima? Que caminhos contribuem para o seu fortalecimento?Tenho feito essas entre outras perguntas aos alunos dessa escola para tentar provocar uma séria reflexão sobre o que eles estão elegendo como valores e quanta carga de sofrimento acaba sendo desenvolvida por conta disso.. Uma das minhas pacientes, que vou denominar pelas iniciais A . P. é um caso bem típico que vale a pena ser descrito para elucidar tal conflito. A . P. é uma dessas jovens que vem ao consultório trazendo como queixa principal a baixa auto-estima muito embora seja uma moça bonita, inteligente e bem situada socialmente. Tais atributos não foram suficientes para evitar o seu sofrimento. Como tantos outros jovens, alimenta a crença de que se fosse mais bonita, mais magra ou mais extrovertida, seria mais aceita e, portanto, mais feliz. Como todo ser humano, deseja que o seu valor seja confirmado pelo olhar do outro e para isso investe no que entende que irá atrair esse olhar. Passa horas malhando, compra roupas de griffe, faz dietas...etc. Muito investimento na aparência, na imagem e até no intelecto não tem conseguido aplacar o seu sentimento de inadequação e de insegurança. A . P. continua se sentindo sem graça, deslocada, incapaz de ser amada e infeliz.O que dizer então daqueles que se encontram fora dos padrões ditos “desejáveis” pela mídia e por grande parte da sociedade? O que dizer a esses jovens que não se enquadram aos números dos manequins de passarela, aos que se diferem dos biotipos de origem européia e aos que não pertencem às classes sociais mais abastadas? Esses, que são a maioria dos nossos jovens, esses que fazem parte do perfil mais comum, por serem brasileiros, descendentes de negros e índios, esses de estatura mediana e pele morena, de formas arredondadas, com quadris largos e pés rachados....ah, quanta dor e quanto sofrimento eles guardam. Sim, eu digo que guardam porque em sua maioria não ousam comunicar isso a ninguém. Sofrem secretamente, se torturam, se envergonham dos atributos inerentes à própria identidade, fazem qualquer coisa, mesmo que seja violar a própria saúde, para tentar se transformar em algo que consideram mais aceito. A . P. sabe muito bem o que é isso e embora faça a pose de “não estou nem aí pra ninguém” vive a procura de estar sempre na “moda”. Infelizmente a moda parece reverenciar o falso ao verdadeiro, o fútil ao útil, o supérfluo ao necessário, o descartável ao duradouro. Vivemos numa sociedade de consumo aonde a correria pelo “TER” sobrepõe-se ao “SER”, na rapidez da internet, na praticidade dos fast food, na coleção de relacionamentos passageiros que padecem de falta de intimidade, de profundidade, de compromisso e de responsabilidade. Sofremos de uma solidão coletiva mesmo quando na companhia de outras pessoas. Não conseguimos encontrar o outro na periferia de corpos esculpidos, no culto ao mundo estético e plástico, na substituição do contato caloroso e real pelo fantasioso, virtual. Não somos mais capazes de decifrar o outro na sutileza da troca de olhares que dispensam qualquer palavra, fruto de relacionamentos amadurecidos pelo tempo, dedicação e diálogo que se desenvolvem em refeiçoes de mesa posta, no aconchego de um quarto aonde todos se deitam e juntos desfrutam de momentos cheios de cumplicidade e carinho.Encontrar uma resposta que explique a baixa auto-estima de A . P. pode ser de grande ajuda a muitos outros jovens. Se não lhe falta atrativos físicos, nem intelectuais o que será que falta então para que tenha uma boa auto-estima?Quais as bases para o seu fortalecimento?Vale a pena lembrar que por mais que ela tenha se dedicado a “ter” uma boa aparência...”ter” uma bela imagem, isso não a ajudou em nada. Portanto, os caminhos de cuidados com o exterior são frágeis e inconsistentes para fortalecer a auto-estima. Muito pelo contrário, muitas vezes parecem atender a uma tirania que consegue destituir o indivíduo da sua individualidade, daquilo que lhe é único, peculiar, singular. A uniformidade criada pelos padrões ditados como atributos de beleza acabam por desqualificar as caracterísitcas individuais de cada ser naquilo que deveria constituir a sua verdadeira beleza e a sua identidade, sua forma particular de ser e de estar no mundo. Quem fica sujeito a essa ditadura e está muito preocupado em ser aprovoado é quem está mais fragilizado, mais vulnerável, mais comprometido na sua auto-estima. Ser forte é ter personalidade própria, é não querer copiar ninguém, é ter uma análise crítica dessas influências. Essa é a base aonde se encontra o real valor para construção da auto-estima. Ter auto-estima é tomar posse do próprio corpo e da própria alma. É saber perceber os próprios pensamentos e sentimentos e não se contaminar pelo coletivo. É ser capaz de se expressar com a autenticidade e a expontâniedade que só os que se sentem livres e autoconfiantes podem fazer. A auto-estima é, portanto, uma conquista do “ser”...é a verdadeira identidade descoberta através do autoconhecimento. A auto-estima carece de cuidados com o interior, com o “ser” que não é quase visto, sentido ou ouvido em cada um. Pensamos, sentimos e falamos com a cabeça de outras pessoas e muito pouco sabemos a nosso próprio respeito. A crítica sobre o que é ser “legal” e o que não é, chega a ser cruel. Os jovens usam crivos de avaliação sobre quem merece ou não ser incluido na turma, de tal forma que aos excluidos resta o sentimento de rejeição e inadequação.Todos querem ser “in” e não “out” e pra isso se submetem à ditadura feita por egos insensíveis, competitivos, arrogantes, egocêntricos e narcizistas. Em um dos seus relatos A .P. me contou de um sonho que se repetia desde a sua infância. Via a si mesma ainda criança, pilotando um helicóptero que conforme ia subindo era envolvido por uma luz brilhante, muito bonita. No banco do co-piloto, ao seu lado, estava acompanhada por Jesus. A sensação era de muita confiança, alegria e curiosidade ... a vivacidade própria de que uma criança é constituida. A resposta a todo seu tormento estava tão bem simbolizada por esse sonho. Nele está a chave para libertação de todo o seu sofrimento. A criança interior podia conduzí-la pra além das coisas terrenas, subir para a luz da consciência, liberta-la da escuridão de julgamentos equivocados a respeito de si mesma, limpar sua mente povoada de críticas negativas sobre si mesma e sobre os demais. Crescer mas não perder a essência boa e inocente da infância...essa é a maior chave para todos os que desejam ser mais feliz. A criança não julga nem a si, nem aos demais. Ela aceita as diferenças e dá liberdade pra cada um ser como é. Sua natureza é capaz de incluir qualquer criança em suas brincadeiras, seja branca ou negra, rica ou pobre, normal ou deficiente. Se formos guiados por essa força, estaremos sempre muito bem orientados, na direção do que vem a ser a verdadeira auto-estima...na manutenção dos verdadeiros valores que se encontram na nossa essência...no nosso ser interior. Pra isso precisamos desarmar o ranso adulto de preconceitos e julgamentos existentes nos padrões coletivos de pensamentos. A.P. hoje está muito feliz, cada vez melhor e mais integrada consigo mesma e com os outros. A terapia tem sido o lugar aonde recebe a atenção e o olhar necessário para se sentir aceita, compreedida e valorizada a partir das coisas que pensa, sente e expressa. Foi isso que faltou em sua vida, o interesse legítimo em sua pessoa, em sua vida. Qualquer um de nós pode ter um papel terapêutico na vida de uma pessoa, seja como pais, amigo, colega, professor e até toda a turma. Precisamos redescobrir o mapa que pode nos dar a verdadeira direção para a auto-estima ,resgatar os verdadeiros valores que podem nos conduzir pelos caminhos de edificação do ser-humano. Sem isso, estaremos perdidos no labirinto de nós mesmos, incapazes de dar a orientação necessária a esses jovens. Com essa visão, o jovem de hoje pode criar no amanhã um mundo adulto bem melhor. A revolução não precisa ser externa, pode começar dentro de cada um. O texto “A pipoca” do psicanalista, filósofo e teólogo Rubem Alves descreve com muita propriedade tudo isso. Em um trecho ele diz:





É muito divertido ver o estouro das pipocas! É que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-





dentes,impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltar a ser crianças! Mas a





transformação só acontece pelo poder do fogo.Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre.Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos.Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui...





Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se





recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais





maravilhosa do que o jeito delas serem.Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo a panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo. Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira...







Nilvânia Melhorança: é psicóloga com formação em Curitiba e vem atuando a mais de 20 anos nas áreas clínica, escolar e organizacional. Atualmente, atende em seu consultório , na Av. Isaac Póvoas - 586, ed. Wall Street - sl 501 – Cuiabá/MT, fone (065) 36723-2785, tendo também, prestado assessoria ao colégio Coração de Jesus por dez anos, atendendo pais, alunos e corpo docente.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...