Apesar de fazer parte da sua essência, a competição é um dos maiores motivos de
tristeza, dor e angústia do ser humano. Competir para ser o melhor, o maior, o
mais rico, o mais amado, o mais bonito, é o que tem movido as pessoas a passarem
uma por cima de outras. O culto ao corpo e à imagem são os principais
motivadores para isso. Mas, o homem não é a vítima nesse caso. A psicóloga
Nilvânia Cuoghi Melhorança, diz que o mundo é espelho do que somos, então, o
meio é fruto que vem do nosso interior, não o contrário. Ela, que já trabalhou
com conceitos de bioenergia e hoje é fundamentada na meditação, acredita que
todo ser humano precisa passar por um processo interior para conhecer o seu
melhor lado. “É um trabalho de lutas, quedas e destroçar um pouco o Ego, até que
se entenda que tudo está interligado e faz parte do todo”, comenta.
Descontraída, a psicóloga recebeu a reportagem de RDM em seu espaço zen, em
Cuiabá.
O mundo hoje é mais caótico e mais neurótico do que era há algumas décadas?
Acho que as pessoas colocaram muito poder na
questão do Ego e vivem hoje muito mais competitivas. Essa competição é a base de
toda nossa doença, angústia, individualidade e do medo.
A competição em doses certas
faz bem para o ser?
Não é questão de fazer bem ou fazer mal. Isso é
parte do ser humano e é pedaço de um processo necessário para se desenvolver. É
como se precisássemos de, alguma forma, primeiro viver isso para entender e
perceber a dor que a competição causa. Então, chega um momento que a pessoa
começa a crescer em consciência.
Mas, mesmo se quiséssemos,
no estágio que o mundo se encontra, é impossível viver sem
competição...
Chamamos isso de caminho estreito, pois a grande
maioria se entrega à competição no trabalho, na escola, na família, em todo
lugar. Mas, uma hora isso muda.
De onde vem essa competição?
É intrínseca ao ser humano?
Essa natureza da mente de viver através da
competição é natural. Uma das razões principais é o medo de deixar de ser
especial. Isso é primitivo, vem desde a família. A pessoa nasce e quer ser a
queridinha da mamãe e do papai, depois vai para a escola e quer ser o melhor da
turma, e assim por diante. Isso faz com que a pessoa acredite que os outros a
amam. E isso se repete e vira um ciclo para a vida inteira.
Como são criados esses
ciclos?
Por causa da competição, fica-se tentando
conquistar o mundo. Em cima desse padrão cria-se uma identidade e uma
personalidade, que é feita a partir da sua história de vida. Mas, será que você
é isso mesmo? Você veste uma personagem e cria uma maneira de estar no mundo a
partir da história que você nasceu, cresceu e se desenvolveu nessa sociedade.
Isso é o ter uma imagem no mundo. As pessoas pensam assim: “Eu acredito que sou
isso. Então, para ser amado, eu preciso ser inteligente, bonito, rico e outros”.
O culto ao corpo faz um mea
culpa nesse processo?
A imagem, o consumo, a performance e o desempenho
profissional e pessoal estão muito fortalecidos. O investir em si mesmo é
extremamente valorizado. É a chamada busca pela perfeição que gera competição.
Quem eu sou está muito relacionado a ideia do corpo, da mente e à ideia de que
eu sou como um deus e que controlo tudo a minha volta.
Mas, o ser humano sempre
fracassa nesse aspecto e sofre por causa disso...
Isso apenas até o momento em que ele percebe que
não está no controle, que aquilo no que coloca empenho não cabe a si mesmo
decidir e fazer aconacontecer. O problema é que hoje em dia há uma série de
literaturas a esse respeito, que reforçam ainda mais essa crença do “eu quero,
eu posso”. Costumam dizer que o que se quer se consegue com um pouco de esforço
e pensamento positivo. Isso é ruim, pois dá a ideia de que o ser humano tem
controle total da direção e que é o próprio criador. É apenas para satisfazer o
próprio Ego.
A sociedade, em especial a
mídia e reality shows, tem incentivado ainda mais a
competição?
Todas as criações são reflexo do que o ser humano
é. Então, eu não acredito que o ser humano seja vítima de nada ou que ele é
produto do meio. Criamos o mundo que a partir do que somos e não o contrário. A
partir do momento que o ser humano se conscientiza mais daquilo que ele é e do
que ele produz, naturalmente se afasta de determinadas coisas. Esse tipo de
programas vai existir sempre, pois sempre vai ter gente competitiva.
Seria coreto afirmar que o
ser humano é dirigido pelo Ego?
A essência, o que se é de verdade, está além do
Ego. É algo que vem com a pessoa desde o momento que nasceu e não muda. Isso é o
que permanece por toda vida e é o que realmente importa. A essência só é
descoberta se é procurada além da mente, além do corpo, além da sociedade, além
da personalidade que é conhecida por si mesmo e pelos outros. Sem descobrir sua
própria essência, se vive sem paz, em conflito eterno com si mesmo. E, assim,
você acaba pensando que é sozinho no mundo, que não faz parte do todo.
Esse sentimento de separação
cria competição...
Se eu e você sabemos que não somos separados em
alma e em energia, por que competiremos por um espaço no mundo? Eu tenho o meu
espaço, você o seu e podemos viver em harmonia desse modo. O que for para vir
para mim está reservado. Não vai ser outra pessoa que vai me tomar isso. Mas,
não significa que eu devo ficar parada esperando a vida acontecer. Essa
consciência não é algo que se cria do dia para a noite, é um despertar, um
processo.
Mas e quem tem pouco e
deseja mais?
Alguns estão destinados a ter pouco dinheiro.
Outros vão receber muito. E, às vezes, a pessoas ficam se sentindo culpadas por
causa das coisas que não conquistam porque acham que isso só dependia delas. O
que acontece muito é que copiam o modelo daqueles que obtiveram sucesso e acham
que a fórmula é igual para todo mundo. Um fato pode ser verdade para uns, não
para outros. O aprendizado necessário para cada indivíduo é diferente, pois as
histórias são diversas. É preciso entender que uma flor não é igual a outra, mas
todas são belas em sua essência e tem perfume igual. Cada um veio para ser
exatamente o que é. Fazer comparações não é algo da natureza. Um abacaxi não
tenta ser igual a um caju, por isso o meio ambiente vive em harmonia. As
diferenças fazem parte do equilíbrio.
Como é feito esse
despertar?
Por si mesmo, por meio de suas experiências, o
homem desperta para um novo olhar. Vai passando por dor, fracassos, arrogância,
tudo criado por ele mesmo, e acaba despertando. Não é necessário que viva em um
mundo perfeito, pois é a dor que ensina. A pessoa se identifica e busca
situações que buscam reforçar a identidade que ela tem. Busca sempre um espelho
para refletir quem ela é e desejam permanecer sempre a mesma, pois tem medo de
mudanças. A mudança é o novo, é o medo, por isso muitas vezes as pessoas negam
experiências, para permanecerem sempre as mesmas e manter padrões de
comportamento. Entretanto, mudar para melhor é fundamental.
Há atitudes práticas que
ajudem a criar o despertar?
Não é algo que vem de fora para dentro, não é a
crença de que se pode fazer tudo. É o próprio corpo e a consciência que criam
experiências. O corpo é como um computador. A máquina é habilidosa, mas, para
funcionar, tem que ter alguém operando. No nosso caso, é o ego, o ser, a
energia. Temos que entender que há algumas lutas a serem vencidas, mas que
sempre é preciso relaxar. O que vai acontecer, vai acontecer, e por isso devemos
flutuar no tempo, perder a presunção de que controlamos alguma coisa. Cada um
passa por suas quedas, pois, para aprender, o Ego precisa ser machucado e chegar
a um ponto de equilíbrio.
O que é o
equilíbrio?
É da natureza da mente estar em luta, querer
reeditar o passado e desejar o futuro, o que faz com que esqueça o presente. É
necessário humildade para entender isso e se deixar viver. O ser humano busca
paz de maneira acelerada e atropelada. O mais importante é perceber a perenidade
das coisas materiais, das situações e de tudo o que nos fortalece e sustenta.
Toda a arrogância precisa acabar, mas o amor nunca acaba. Vai estar sempre
disponível.
Dra. Nilvânia Cuoghi Melhorança psicóloga
em Cuiabá.
REVISTA RDM - EDIÇÃO
FEVEREIRO/2012
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"Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto."Rubem Alves