FELIZ ANIVERSÁRIO MINHA MÃE!


Fim de ano! Proximidades do Natal! Três irmãos e a matriarca em almoço comemo-rativo!
Em trama urdida pela caçula o desafio: - "Escrever sobre a mãe deles no seu 84º a-niversário (7/Jan)!" Gestos débeis de contrariedade no rosto da protagonista da his-tória!


Na falta de propriedade gramatical ou força literária sujeito-me a fantasiar o ato de como seria retratá-la de corpo e alma em pintura a óleo e depois emoldurá-lo!


Ainda assim sinto tratar-se de meta mais gratificante que realizável na conta da me-dida certa. Com mais alma que lógica procurarei com pinceladas demarcar os cami-nhos da sua vida, saborear seus cotidianos e vivenciar as passagens mais marcantes, os percalços e alegrias, em resumo tentarei musicar com tintas e pincéis a história que nos deixa.



Para iniciar adquiro uma boa tela, tripés de madeira, pincéis e trinchas de diversos tamanhos, tubos de tinta das mais variadas cores e moldura com desenhos rebusca-dos. Escolho o que há de melhor porque se assim não fosse jamais poderia repre-sentá-la dignamente.
Não pretendo pintá-la em tela grande, daquelas que ocupam toda uma parede, não porque não mereça, ao contrário, mas porque não é próprio dela, do seu jeito de ser, do seu porte físico, do seu jeitinho frágil e afável embora muitas vezes contrari-ados por movimentos acrobáticos, todavia sempre de fala baixa, mais ouvinte que discursiva e sempre solícita, independente do autor e do nível das exigências.


Vou pintar o seu retrato que nobremente emoldurado ocupará um lugar de desta-que na minha estante e não haverá nada, nem ninguém, que ofusque o seu brilho e menos ainda que venha a concorrer com o espaço que lhe reservei mas que ela já ocupava em meu coração.


Para o fundo da tela uso trinchas largas e tinta grossa de cores escuras, variando do preto ao cinza médio para representar o momento inicial e talvez mais difícil da sua vida de recém casada, instantes após ser tirada à "fórceps" da casa materna e passar a concorrer em personalidade, caprichos e intimidade e disponibilidade de leite com as demais noras na amamentação dos seus filhos na ordenha coletiva no solar do sogro. Tão logo aprenderia que a vida de casada nada tinha de íntimo ou romântico, nada de calma ou aconchego, sequer de tempo para esperar a própria vida moldar a sua personalidade em ritmo natural. À época, aceitou conformada que a vida de ca-sada era assim mesmo, só mais tarde reconheceu os problemas da aceitação incon-dicional e da submissão total.


Agora com pequenos pincéis de pelo de marta acelero o ritmo. Um traço fino e deli-cado, e curto, cores vivas aqui e ali, definem cada uma das doze mudanças de ende-reço ao longo da sua vida de casada. Vida de nômade, estilo cigano involuntário, maior parte amigos superficiais em cada parada, muitos tão rapidamente conquis-tados quanto esquecidos. Moradias temporárias sob aluguel, estilo variado, embora decoração própria na verve exigindo: Varanda na entrada, sala de visitas resguarda-da e de estar com sofás sóbrios, jantar com mesa extravagante, quartos modestos e cozinhas amplas com fogão, geladeira e mesa para refeições diárias. Poucas auxilia-res no serviço doméstico e muito trabalho de faxina, de corte e costura e de cerzi-mento das roupas puídas.


Com os mesmos pincéis de acabamento refinado mas agora com tintas de cores neutras, variando do branco total ao ocre, disponho-me a representar suas ambi-ções e desejos. Pincéis bem mais macios, traços indeléveis, tão leves que as pontas quase não tocam a tela e em nenhum momento se destacam das cores do fundo. Riqueza material, só se for para os outros, no máximo para os próximos dela, sem-pre foi assim e mais ainda nos dias de hoje, que com a idade menos sonho de rique-za acalenta. Inimaginável vê-la desejando algo para si própria, tipo roupas, carro, casa, televisão, cama própria, etc. Sempre coadjuvante, colocando-se em segundo plano, especialmente por que incumbida do dia a dia da criação dos filhos, incansá-vel na batalha das suas saúdes, educação, higiene e vestimentas, e na realização dos desejos de cada um deles.


Em contraponto a simplicidade dela, tomo nas mãos agora os pincéis redondos com cerdas firmes e tintas de cores fortes para identificar a guerreira quando a vida as-sim o exigiu, seja no passado remoto para checar a sua própria relação conjugal, ou para demonstrar a contrariedade no casamento da caçula, ou ainda lutando pela libertação do marido preso pelo regime militar.
 

Nesta última, foi-lhe exigida uma transformação brutal, forjada a ferro e fogo, tirando-a da subserviência total ao do-mínio absoluto das suas decisões e passos. Seu calvário iniciado em Cuiabá, passou por Rondônia e teve seu fim em Belém/PA, depois de extenuantes sacrifícios físicos e tensões e aflições que poucos resistiriam. Durante cerca de cinco meses fez-se de forte, de heroína, de mártir, de humilde, de pobre, de rica, de mãe e de pai, chorou, sorriu, lamentou, advogou, vendeu, comprou, fez-se gigante, superou-se a si pró-pria.


" De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama".

*Chega de repente - Vinicius de Morais






Em geral quase não a notamos, se deixarmos passa despercebida, à distância sabemos dela por iniciativa dela própria, não nos causa muita preocupação, quase sempre nos parece estar bem, pouco reclama, nada lhe dói muito. Um dia nos fará muita falta!

 


Que tintas e cores e pincéis posso usar agora para finalizar o retrato dessa mulher que tão pouco exige de nós e em contrapartida quão pouco lhe damos? Que qualidade e tamanho de moldura pode expressar ou conter tal figura?


Cada vinco do seu rosto, cada tirinha minúscula dos seus olhinhos estreitos, cada linha fina dos seus lábios, cada par de braçinhos e pernas frágeis, 
 

cada curvinha do seu cor-po magro, cada fiozinho seu de cabelo branco, cada roupinha que lhe cobre, e também cada um dos seus pensamentos e intenções, narram a história de uma das mães mais encantadoras e consagradas e da mulher mais linda e guerreira da nossa vida, física e espiritualmente.



Desisto da pintura deixando-a para quem melhor se utilize dela e ao refazer o caminho de volta para a escrita finalizo em poucas e simples palavras reafirmando-lhe o meu reconhecimento e gratidão por tudo que fez por nós seus filhos e o compromisso de continuar endeusando-a por todos os meus dias.

 


Parabéns pelo seu aniversário, Jandirinha!



*Nivio Brazil Cuoghe Melhorança

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"Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto."Rubem Alves

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